Thursday, August 23, 2007



Jornal da Madeira / Região / 2007-08-21


Populares da Lombada serão alvo de homenagem

Monumento recorda os que lutaram pela água

Hoje é um dia histórico para o Sítio da Lombada, no concelho da Ponta do Sol. Os residentes vão poder ver perpetuada a memória dos filhos daquela terra que em 1962 lutaram pela posse da água de rega, da qual o Estado se queria apoderar. Foi uma luta de meses, entre vigilâncias e muita persistência por um bem ao qual tinham direito. Gabriela Relva tinha 10 anos e assistiu à luta da família por esta causa, na qual perdeu a irmã.

No Sítio da Lombada, Ponta do Sol será hoje descerrado um monumento em homenagem a todos os que em 1962 lutaram pela posse da água de rega.

O monumento ficará situado no início da Levada do Moinho, junto à igreja paroquial onde é feita a divisão do ramal deste curso de água.

A obra é do escultor prof. Silvio Cró e procura retratar, o melhor possível, as razões da luta encetada pelos ponta-solenses na década de 60. A acompanhar esta obra de arte encontra-se uma frase bem alusiva à luta, “Nesta levada corre sangue e água”.
O monumento invoca os que deram muito de si numa luta que, por força da polícia de então, fez jorrar o sangue dos inocentes populares que só queriam velar pelo que era seu.

Gabriela Relva tinha, na altura, 10 anos, e perdeu, na ocasião, uma das irmãs. Chamava-se Conceição Gonçalves, mais conhecida por Sãozinha. Tinha 17 anos e foi atingida na testa por uma bala. A morte foi imediata.

Enquanto Sãozinha caía numa das poças de água, um dos irmãos tentou socorrê-la mas um dos policias impediu-o, fazendo-o cair noutra poça.

Gabriela Relva viu a família sair para a luta, mas não pode ir pois um problema que tem na perna não permitiu que acompanhasse a multidão.

Recorda a dor da sua família mas, também, das pessoas da Lombada pelo sucedido.
De acordo com a responsável, o Estado havia comprado terras na Lombada, directamente aos colonos e depois vendeu-as em parcelas aos locais que foram pagando durante perto de 20 anos.

Juntamente com as parcelas de terreno, o contrato de venda implicava, também, a venda da água de rega.

Alguns familiares dos compradores que, na altura, emigraram para a Venezuela e Curaçau ajudaram a pagar esses mesmos terrenos. O que acontece é que nos anos 60, quando alguns dos compradores já tinham a dívida quase paga, o Estado começou a exigir que, também pagassem a água, senão ia gerir como bem quisesse deixando os populares à mercê da sua vontade.

Os residentes recusaram-se a aceitar estes termos até porque a água já estava incluída nos contratos de compra e venda. A tensão foi-se agudizando de maneira que em 1962 os populares fizeram frente ao Estado e começaram a fazer vigílias à gestão da água.

A luta intensificou-se entre Maio e Agosto desse ano, com a presença permanente das pessoas no Cabo da levada a guardar as águas. A população resistou durante esses três longos meses.

Durante este período houve ameaças por parte da polícia, houve pessoas, inclusive, que foram notificadas para comparecem na PSP (Ex-Pide), na Ponta do Sol e no Funchal
O dia mais marcante foi o 21 de Agosto, em que o Estado recorreu ao policiamento para fazer valer a sua vontade.

Gabriela Relva lembra-se que eram mais de 200 agentes e militares que compareceram na Lombada. O comandante de então deu ordem para que as pessoas se retirassem. Como tal não aconteceu, deu ordem de fogo, foram atiradas granadas para as poças da ribeira e feriram muita gente, acabando por fazer um morto, a Sãozinha.

Desta luta resultaram, ainda, muitos feridos e presos. Recorda esta responsável que os que foram hospitalizados, conforme iam melhorando eram enviados para a prisão. Alguns acabaram por seguir para o Tarrafal. Reza a história que eram maltratados e mal alimentados. De maneira que a população reunia dinheiro e mantimentos para lhes oferecer quando os iam visitar.

Hoje, a população da Lombada, novos e menos novos, decerto, irão recordar a luta daqueles que, há 45 anos, não vacilaram quando os seus direitos foram postos em causa. Um exemplo para o futuro, conforme sublinhou Gabriela Relva.
E, para bem dos que, ainda, cultivam a terra, a água continua a correr, fruto da persistência dos antepassados que deram muito da sua vida e se sacrificaram para que hoje o precioso líquido esteja, sempre, a jorrar.


Élia Freitas

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