Friday, April 27, 2007

Quase tudo feito nos Canhas

Está tudo bem nos Canhas. Entre os habitantes que aceitam falar só alguns pedem a via expresso. O resto está feito, dizem outros.

in DN a 26-04-2007


Quase tudo feito nos Canhas


A população espera pela via expresso mas não encontra outros investimentos para reclamar ao novo governo
São muitos poucos os habitantes dos Canhas que aceitam falar. Por vergonha ou receio. Quem fala diz que está tudo bem.



Há pouco para o Governo fazer nos Canhas. Até se diz que está tudo feito. Numa localidade largamente favorável ao PSD, o sentimento crítico dos poucos que aceitam falar confunde-se com o reconhecimento pelo que existe. "A nível de obras está tudo feito" atira, no centro da freguesia, Maria Vieira Jardim. Esteve alguns segundos de olhos fixos no chão a 'puxar pela cabeça ' a ver se se lembrava de alguma coisa, mas não. Por isso, aos 64 anos, promete votar no mesmo partido em que vota desde há oito, quando pôs fim a três décadas de emigração na África do Sul. "Não se vira a casaca", afirma sem esconder uma fidelidade à moda antiga.

Maria não quer falar muito de política. E quando se lhe pergunta se conhece os deputados da Ponta do Sol revela alguma confusão mas nega qualquer razão de queixa. E diz porquê: "Eles nunca me magoaram". João Albino Teles é o mais falador de um grupo de seis homens que passa tempo à porta de um café. Um pouco mais exigente, repete-se no pedido de alargamento da estrada que liga os Canhas ao Paul da Serra para dar mais segurança a quem anda a pé. "Quando passam camiões temos que saltar para o quintal do vizinho", lamenta-se este pintor desempregado aos 49 anos.

A falta de trabalho é outro problema apontado nesta roda de amigos. Todos concordam, mas é quase só Albino que fala. Para dizer que o desemprego não é exclusivo da freguesia, que não, que é um mal generalizado. Mais alguns minutos de conversa e o grupo lembra-se de outra obra: a asfaltagem da estrada que liga as Eiras ao Pinheiro, em terra há vários anos. Só mais tarde é que alguém se recorda da via expresso. "Isso é que era bom". Todos concordam mas ninguém reclama. O eleitor número 22 da freguesia dos Canhas também não encontra nada para o novo governo fazer. António Alves é um velho pedreiro reformado. Sem filhos, vive só com a mulher numa casa onde a ligeira brisa de uma manhã de sol faz esvoaçar uma bandeira do PSD. "Só tenho um partido e uma religião", afirma sem mais pormenores. Nem precisava.

A foice e a enxada ao ombro mostram que ao antigo mestre de obras não falta trabalho. Nem falta a quem quer trabalhar, acrescenta. Sem saber ler nem escrever, António promete votar a 6 Maio, tal como faz há trinta anos. E diz que sabe para que são estas eleições: "São para votar no João Jardim ou no socialista" cujo nome desconhece, assim como ao resto da oposição.

Na varanda do 'Melro', um de três bares separados por meia dúzia de metros, Gracinda Jesus, 50 anos, parece mais reivindicativa. Parece, mas nem tanto. Veste uma t-shirt oferecida pelo PS mas sabe que é Jardim quem vai ganhar. "Sabe como é", diz como quem, de facto, sabe como é.

Gracinda concorda que falta fazer muito nos Canhas mas, assim, de repente, apenas se lembra de uma rotunda à beira da varanda do 'Melro'. Mesmo assim admite a necessidade da via expresso, reconhece que o desemprego é um problema e que falta uma rede de esgotos.

Os 29 anos de Odília Pereira não são vividos da mesma forma de muitos outros jovens. A responsável por um mini-mercado e o bar Santo André prefere o silêncio dos Canhas às saídas nocturnas. Não sente necessidade de grandes investimentos do Governo em novos locais de diversão e lembra que agora está tudo tão perto. Reconhece que o poder de compra está fraco, que é difícil arranjar emprego mas não deixa de alertar para o desenvolvimento da freguesia nos últimos anos.

O bar de Odília, sem clientes à hora do almoço, mostra num quadro, ao lado de um poster do Benfica, a receita para os que só esperam facilidades: "Se tem inveja, faça como nós, trabalhe"! António Abreu trabalha. Soma ao serviço de bar a agricultura com destaque para a banana, como provam as nódoas na roupa. O 'Quim Barreiros' dos Canhas, como é conhecido pelas semelhanças com o cantor, apenas espera a nova via expresso. De resto refere alguns acessos e a necessidade de criar mais emprego.

Depois de 14 anos na Venezuela, 'Quim Barreiros' não encontra solução para a crise. E limita-se a esperar. Pode ser que um novo ciclo de obras reforce o poder de compra.

O problema é que, à excepção da via expresso e de um outro acesso, parece que está tudo feito nos Canhas.


Freguesia que sempre foi PSD


Sempre votaram maioritariamente no PSD os cerca de 3.200 habitantes dos Canhas. Nos últimos três actos eleitorais os social-democratas ficaram sempre acima dos 60 por cento dos votos. E há três anos, nas eleições europeias, esta marca subiu até aos 70 por cento, embora aí o PSD tenha concorrido em coligação com o CDS-PP.

Curiosamente, o melhor resultado do PS foi também há três anos, mas nas regionais de 2004. Os socialistas alcançaram 28 por cento dos votos, contra 61 do PSD.

Nesta freguesia 'laranja' o CDS ainda tem alguma expressão, mas os pequenos partidos de esquerda têm sido praticamente ignorados nos últimos actos eleitorais.

Este cenário promete repetir-se. Entre os eleitores há a percepção que os Canhas voltam a preferir o PSD.

Miguel Silva

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