Monday, February 19, 2007

Câmaras madeirenses preparam venda de património municipal

Câmaras madeirenses preparam venda de património municipal

Depois da Ribeira Brava colocar o campo de futebol à venda, Funchal, Santana, Santa Cruz, São Vicente e Machico estudam a alienação de imóveis

in DN a 18-02-2007

A Câmara Municipal da Ribeira Brava deu o primeiro passo, no início de Janeiro, ao incluir a venda do actual campo de futebol da vila no Plano e Orçamento Municipal deste ano, mas a alienação de património está a ser equacionada, a curto prazo, pelo menos por mais quatro autarquias madeirenses.

Carlos Pereira, líder do município de Santana, até já tem um edifício pensado para vender, e compensar, desta forma, o corte nas transferências previsto na nova Lei das Finanças Locais. "Estamos a equacionar a venda, em 2008, do actual quartel dos bombeiros [Voluntários de Santana], que vão ter uma nova sede já este ano", admitiu o autarca, deixando antever que mais património municipal poderá ser vendido. "Desde que o património não esteja a ser utilizado, que não esteja a servir a população, não vejo qualquer problema em o vender", defende o autarca.

Mais a Sul, o presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz, José Alberto Gonçalves, partilha da mesma opinião. A venda de património imóvel está prevista no Plano e Orçamento de 2007, mas nada está ainda definido. "Neste momento, estamos a fazer um levantamento do património que o município tem, para depois vermos o que poderemos vender", explica José Alberto Gonçalves, que vê na alienação de imóveis uma forma de "executar" o programa camarário.

Habitação à venda

"Face à nova Lei das Finanças Locais, a venda de imóveis municipais que estejam subaproveitados é uma mais-valia para as câmaras", diz o presidente da autarquia de Santa Cruz, precisando que o levantamento foi pedido há cerca de um mês e deverá estar concluído brevemente.

Ao lado, em Machico, Emanuel Gomes, está a ponderar o mesmo. O presidente do município machiquense garante que "para já, não existe nada de concreto", mas reconhece que o assunto está a ser pensado na Câmara Municipal de Machico. "Não existe nada certo, mas estamos a equacionar essa possibilidade", afirma, dizendo que as vendas, "a acontecerem", terão sempre em conta a forma como os imóveis estão a ser utilizados.

Esta é também a condição que Humberto Vasconcelos coloca para alienar imóveis pertencentes ao município de São Vicente. O líder da autarquia local diz que a possibilidade está a ser "avaliada" pela actual vereação, mas que não existe ainda nada definido. "Essa questão está a ser pensada, até porque temos vários edifícios devolutos, e as hipóteses passarão por estes imóveis".

No Funchal, onde o património total é superior aos dois mil e quinhentos milhões de euros, Miguel Albuquerque é também sensível a esta questão, e embora a venda de imóveis não seja, no momento, "necessária", a Câmara Municipal do Funchal pretende vender o parque habitacional que dispõe. "Não faz sentido as pessoas pagarem rendas irrisórias, para poderem conduzir automóveis de gama alta", diz o presidente da Câmara do Funchal, que olha com "naturalidade" para a decisão tomada pelo colega da Ribeira Brava.

Ribeira Brava pioneira

Ismael Fernandes foi, na Região, o pioneiro. O campo de futebol da Ribeira Brava, que ocupa uma área privilegiada no centro da vila, a rondar os 10 mil metros quadrados, está avaliado em 3.784 milhões de euros, e está já no mercado. A vila vai contar com um novo Centro Desportivo, que será a casa do clube de futebol local, e o actual campo deverá ser comprado pela Sociedade de Desenvolvimento Ponta Oeste. O encaixe financeiro será aplicado na execução do programa camarário, mas nem todas as autarquias madeirenses vão seguir este exemplo.

A Ponta do Sol, por exemplo, responde com um lacónico "não" a esta possibilidade. Para já, diz o presidente da Câmara Municipal, Rui Marques, "não estamos a equacionar a venda de património", e mais a Leste, em Câmara de Lobos, a resposta é idêntica. "Para já, essa possibilidade não se coloca, até porque não temos muito património para vender", explica o autarca câmara-lobense, Arlindo Gomes.

Aqui, as dificuldades financeiras serão respondidas com o estabelecimento de parcerias entre os sectores público e privado, para que os investimentos programados avancem. "Neste momento estamos mais virados para a compra do que para a venda", garante Arlindo Gomes.

Também no Porto Santo a alienação de imóveis municipais está posta de parte. O património não é muito, o que existe está a ser bem aproveitado, e o presidente da autarquia da ilha dourada, Roberto Silva, garante que a questão não está prevista no orçamento. "É uma situação que poderia ser equacionada, mas para já não temos nada previsto", afirma, dizendo que os poucos terrenos propriedade da Câmara estão a ser sujeitos a um processo de loteamento, para serem entregues, "em regime de direito de superfície", à população, "em regime de direito de superfície", para a construção de habitação própria.

Venda da habitação social é prioridade no Funchal

A possibilidade de alienar imóveis municipais está, para já, descartada no Funchal. Miguel Albuquerque, presidente da autarquia, garante que esse cenário não é necessário neste momento, mas muda de opinião quando fala do parque habitacional da Câmara Municipal do Funchal.

O valor patrimonial é superior aos mil milhões de euros, entre terrenos e parque edificado, e o presidente funchalense considera ser altura de o vender. "Não faz sentido as pessoas pagarem rendas irrisórias, para poderem conduzir automóveis de gama alta", afirma Miguel Albuquerque, explicando que esta seria uma forma da Câmara encaixar dinheiro e responsabilizar os moradores dos bairros sociais. O Funchal conta, neste momento, com os terrenos dos bairros antigos, avaliados em 746 milhões de euros e com o parque edificado, cujos cerca de 555 fogos, têm um valor de mercado à volta dos 350 mil euros. Este inventário, a juntar à rede viária e pedonal (965 milhões de euros), ao património edificado (205 milhões de euros), ao património não edificado (2 milhões de euros), aos espaços verdes (98 milhões de euros), ao Parque Ecológico do Funchal (26 milhões de euros), e às redes de água potável (69 milhões de euros) e de águas residuais (54 milhões de euros) atinge o "elevado valor" de 2.519 mil milhões de euros.

"O Funchal tem um património de elevado valor, e não faz sentido que ele não conte para a capacidade de financiamento da Câmara", lamenta Miguel Albuquerque, dizendo que aproximadamente 42,6% destes bens podem ser objecto de transacções comerciais. Os restantes, por estarem afectos às necessidades e interesses públicos, são considerados inalienáveis pela autarquia.

Mesmo assim, "na teoria", existem formas de contornar esta questão e "combater" o corte nas transferências da nova Lei das Finanças Locais. "Eu resolveria os problemas financeiros da Câmara Municipal do Funchal, se confeccionasse a exploração da água", afirma o autarca, insistindo no "elevado valor" do património imóvel do município.

"É ilógico ele não contar para a nossa capacidade de financiamento, pois pode ser vendido e com tal serve de garantia".

AMRAM responsabiliza Lei das Finanças Locais

O presidente da Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira (AMRAM), Roberto Silva, não coloca qualquer entrave à venda de património imóvel por parte das autarquias.

"É evidente que é um pouco difícil eu me pronunciar sobre isso, porque cada caso é um caso, mas efectivamente cada município sabe o que pode ou não fazer face as limitações financeiras da nova Lei das Finanças Locais", explicou o presidente da AMRAM e da Câmara Municipal do Porto Santo.

No município que lidera (ver página quatro), essa possibilidade não está a ser equacionada, mas Roberto Silva lembra que no continente muitas câmaras municipais estão a seguir esse caminho. "Eu sei que ao nível nacional há muitas câmaras que estão neste momento a proceder a um levantamento exaustivo para preparar essa mesma situação", afirmou, acrescentando que vê com naturalidade essa possibilidade.

Desde que - ressalvou - seja património que não faça falta à câmara nem às populações, e que não esteja a ser utilizado de forma adequada.

Esta hipótese, lembrou Roberto Silva, foi colocada desde que a reforma da Lei das Finanças Locais começou a ser falada, e foi a própria Associação Nacional de Municípios a falar do assunto. "Desde a primeira hora que essa questão foi colocada e olhada como uma forma de fazer face à nova Lei das Finanças Locais", recordou o líder da AMRAM, acrescentando que a reforma da lei é a única responsável por esta situação. "Veio limitar os recursos financeiros das autarquias, mudar as regras do jogo e a meio do mandato".

Venda de património imóvel ajuda mas não vai resolver

A venda de património imóvel por parte dos municípios madeirenses vai ajudar, a curto prazo, a equilibrar as finanças das câmaras municipais e permitir o cumprimento do programa previsto. Mas, tendo em conta que apenas o Funchal conta com um património elevado, as restantes autarquias não podem olhar para a alienação de imóveis como uma solução a longo prazo.

O município de São Vicente, por exemplo, tem pouco património vendável. Humberto Vasconcelos, presidente da autarquia local, fala de escolas antigas, do edifício da loja da juventude, de alguns terrenos e do prédio antigo da Câmara Municipal. "Temos alguns edifícios devolutos, mas existem projectos de recuperação e aproveitamento para a maioria deles", explicou o autarca.

Em Machico e no Porto Santo, o cenário é idêntico. "Existem antigas escolas que não estão a ser utilizadas e pouco mais", diz Emanuel Gomes, enquanto que na ilha dourada, fala-se do canil municipal, do parque de materiais, do bairro social e do edifício histórico da câmara municipal. Pouco para vender portanto, tal como acontece em Câmara de Lobos. Arlindo Gomes diz que o concelho "não tem grande património", e que mesmo os estabelecimentos de ensino desactivados estão aproveitados para outros fins. "Existem clubes desportivos e associações culturais e de idosos a utilizar, e bem, esses espaços", explica o presidente da Câmara Municipal de Câmara de Lobos.

Alteração da lei apanhou câmaras de surpresa

A reforma da Lei das Finanças Locais, elaborada pelo Partido Socialista, mobilizou todos os municípios do país contra José Sócrates, mas tanto o Tribunal Constitucional como o Presidente da República, Cavaco Silva, disseram sim ao documento que entrou este ano em vigor.

As vozes contra, reunidas na Associação Nacional de Municípios Portugueses e na Associação Nacional de Freguesias, alegaram que a alteração da lei era prejudicial às autarquias, que passavam a receber menos verbas do Orçamento de Estado, e exigiram garantias em relação à neutralidade da nova legislação. Os protestos avolumaram-se ainda com o 'timming' escolhido para reformar a Lei das Finanças Locais, porque a mudança surgiu a meio do mandato das autarquias, que tinham já o programa de investimentos em andamento. O governo, através do ministro da Administração Interna, António Costa, manteve-se firme, contrapondo que a lei iria ser mais justo e beneficiaria todos os municípios.

Com benefícios ou sem eles, o facto é que a lei foi aprovada na Assembleia da República, e o dinheiro que os municípios recebem do Estado, passou a ser ajustado ao ciclo económico - beneficiando do crescimento das receitas fiscais ou da contenção orçamental -, acabando com a garantia que as transferências tinham de um crescimento mínimo.


Márcio Berenguer

No comments: