Tuesday, February 13, 2007

Lobo recusa juiz "parcial" e adia alegações para o dia 28


in DN a 13-02-2007

Lobo recusa juiz "parcial" e adia alegações para o dia 28

Colectivo admite remeter o recurso de incidente de recusa de juiz para a 'Relação', mas não autoriza a suspensão do julgamento
Durante 1h30, Arnaldo Matos 'cilindrou' o tribunal com requerimentos a questionar a conduta do presidente do colectivo.




A defesa de António Lobo apresentou-se ontem empenhada em fazer uso de todo o arsenal jurídico-legal disponível no Código Processo Penal (CPP), para tentar suspender o julgamento do caso de alegada corrupção na Câmara Municipal da Ponta do Sol, no qual o ex-autarca é acusado da prática de onze crimes.

Pela manhã, Arnaldo Matos, mandatário de António Lobo, entregou um requerimento (a ser analisado pela instância imediatamente superior - o Tribunal da Relação de Lisboa) a invocar o incidente de recusa de juiz. Trata-se de um expediente usado quando existe uma desconfiança séria e fundamentada sobre a imparcialidade do juiz que conduz o julgamento, no caso, o magistrado Filipe Câmara, presidente do colectivo.

Na sessão de audiência, que começou ontem à tarde, o colectivo de juízes concedeu ao Procurador da República o acesso ao "extenso requerimento" onde estão esgrimidos os argumentos do incidente de recusa de juiz, elaborados pela defesa de Lobo, permitindo-lhe que fizesse considerações.

Após ter ouvido o procurador do Ministério Público considerar "extemporâneo" e "infundadas" o requerimento e as razões, Arnaldo Matos contestou: "certo é que o Procurador da República não pode ler o requerimento de recusa e muito menos pronunciar-se sobre ele". Por entender que as declarações foram "ilegítimas" e "lastimáveis", Arnaldo Matos pediu a nulidade da intervenção do procurador. Não sem antes lembrar que o requerimento de recusa tem um efeito suspensivo do julgamento, que "deve ser imediatamente respeitado sem que alguém pretenda e possa discutir na praça pública um assunto que só cabe debater entre os juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa".

Em resposta, o despacho do tribunal realçou que, "pese embora se trate de um incidente, o mesmo poderá ter consequências no processo principal". Sublinhou ainda que, "ao contrário do que parece ser transmitido pela defesa de António Lobo, a apresentação do presente requerimento não tem um efeito de suspender o processo". Por isso entendeu o colectivo de juízes, presidido por Filipe Câmara, indeferir o requerimento de Arnaldo Matos e decidir prosseguir o julgamento - pois a sessão de ontem tinha sido propositadamente agendada para a inquirição da testemunha arrolada pela defesa de António Lobo, na sequência da alteração substancial de factos, deslindada na última sessão do julgamento, a 15 de Janeiro.

Face a isso, Arnaldo Matos ripostou, considerando que a decisão do tribunal revelava "mais um acto de conduta do juiz-presidente, que corre o risco de ser considerado suspeito, já que parece ser susceptível de gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado". A defesa de António Lobo insistiu que o incidente de recusa de juiz tem um efeito suspensivo que deve ser respeitado, uma vez que não foi apreciado nenhum acto processual urgente, nos termos da lei. Questionado pelo Procurador da República sobre as normas violadas, Arnaldo Matos enumerou a alínea e) do artigo 119.º, o n.º 1 do 118.º, o n.º 4 do 45º e a n.º 3 do 42.º, todos do CPP.

Sobre a interpretação do regime jurídico feita pela defesa de António Lobo, o colectivo de juízes manteve a sua posição, lavrando que o juiz visado nas acusações é chamado a decidir sobre a questão, independentemente do arguido recorrer ao Tribunal da Relação de Lisboa. Considerando que não foi comprovado qualquer vício, nem foram violados os preceitos legais, entendeu o Tribunal da Ponta do Sol indeferir a nulidade requerida.

Arnaldo Matos não desarmou e esgotou a última das suas 'armas: interpôs recurso do despacho do juiz-presidente, pediu certidão da acta da sessão de audiência e solicitou esclarecimento sobre se o procurador tomou parte na conferência de juízes, que aconteceu no intervalo da sessão.

Já visivelmente esgotado com o manancial de requerimentos, o colectivo de juízes, na voz de Filipe Câmara respondeu que, nas decisões do colectivo participam única e exclusivamente, os três juízes que o compõem. No despacho, o tribunal diferiu a extracção das certidões requeridas e a elaboração dos autos pretendidos.

Uma hora e meia depois do início da sessão, foi finalmente inquirida a testemunha de António Lobo: João Carlos Figueira de Freitas, administrador de um projecto imobiliário em análise, que foi edificado na Madalena do Mar (de que é proprietário o seu irmão, ausente no estrangeiro), violando as regras dos afastamentos.

O julgamento prossegue a 28 de Fevereiro, dia em que estão previstas as alegações. Os mandatários dos advogados têm assim 16 dias para preparar a defesa dos cinco arguidos.

"Juiz deve ser como a mulher de César"

"A minha pretensão é que o Tribunal da Relação de Lisboa averigúe se há ou não, no caso deste processo, indícios sérios e ponderosos que fazem suspeitar da imparcialidade do juiz que está a presidir o julgamento", referiu ontem Arnaldo Matos, mandatário do arguido António Lobo, à saída da sessão de audiência.

Em declarações aos jornalistas, o advogado lembrou que recusar um juiz é um direito que deve ser exercido sempre que houver fundamento para tal. "O juiz deve ser como a mulher de César: não só deve ser sério e imparcial como também deve parecer", apontou. Acrescentou que o juiz Filipe Câmara (que preside o colectivo), deveria deixar que a sua imparcialidade fosse restaurada pelo Tribunal da Relação, criticando-o por ter prosseguido com o julgamento "como se nada se tivesse passado. Sobre isso, atirou: "É absolutamente lastimável para a imagem da justiça portuguesa".

"O que é absolutamente patético, é que um juiz, que é objecto de um requerimento de recusa, tente por todas as formas, acabar um julgamento, em que já foi posta em causa a sua imparcialidade e tente acabá-lo a todo o custo, sem dar tempo a que a Relação se pronuncie sobre o caso", contestou o advogado.

Estabelecendo um paralelo entre a conduta do magistrado e a do causídico, Arnaldo Matos lançou: "Eu, se fosse posto em causa na minha conduta profissional, mesmo que injustamente, afastava-me imediatamente". A defesa de Lobo admitiu que está disposta a aceitar continuar o julgamento, seja com um outro juiz designado pelos juízes desembargadores de Lisboa, seja mesmo com Filipe Câmara.

Questionado pelos jornalistas, o advogado negou ainda que a intenção do seu requerimento fosse a de suspender o julgamento por 30 dias, factor que levaria à perda da prova produzida, ficando o julgamento sem efeito.


Ricardo Duarte Freitas

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