Sol Social tem como objectivo a divulgação de notícias publicadas sobre o concelho da Ponta do Sol. Embora muitos poderiam associar o nome "Sol Social" a algo ligado ao social, ao "mundo vip", a ligação entre estas duas palavras surge de "Ponta do Sol" e de "Comunicação Social". Assim, teremos o Sol Social que pretende recolher informações sobre este concelho... serendipitymg@gmail.com
Tuesday, February 27, 2007
Empresa traz esperança
in DN a 26-02-2007
Reportagem
Empresa traz esperança
O trabalho da recolha de banana é árduo. António Gaspar, 47 anos, reside na Lombada, Ponta do Sol. Levanta-se todos os dias às seis da manhã, veste 'a farda' de roupas manchadas de nódoas e coloca-se, desde cedo, apeado à beira da estrada, aguardando a chegada das carrinhas da Coopobama. Os 'carregadores' das cooperativas viajam como a banana: apinhados na caixa aberta, expostos ao vento, ao sol ou à chuva. Agasalham-se com as mantas velhas malhadas de nódoas. Ficam encharcados em dias de invernia e é com a roupa molhada que carregam o fardo. "A gente anda aqui como as vacas", replica um dos funcionários, que se encaixa no espaço que sobra na carroçaria da 'Mitsubishi Canter', entre a banana arrumada.
De vez em quando, são confrontados com Polícia. O motorista encolhe os ombros e responde que a cooperativa não tem dinheiro para carrinhas próprias para transportar o pessoal. Aliás, sobre isso, nada sabem, porque a direcção da cooperativa não lhes presta contas sobre absolutamente nada. A viagem segue.
Entre as oito da manhã e as cinco e meia da tarde, carregam cachos de banana com 50 a 70 quilos às costas, percorrendo veredas e trilhos agrícolas, escadas íngremes e poios lamacentos que, por vezes, distam 1.000 metros da estrada.
Muitos dos funcionários contratados pelas cooperativas são agricultores. Vêem naquele trabalho uma oportunidade para obter um rendimento fixo. Ganham o salário mínimo nacional (403 euros) e não se queixam porque recebem sempre no final do mês. Uma regalia quando comparada com os produtores de banana, que têm de esperar três a cinco meses pelo resultado líquido do seu trabalho.
Francisco Pita, 44 anos, é um deles. É motorista da Coopobama há cerca de 20 anos e produtor de banana "desde pequeno". Por mês, tira, em média mensal, 1.200 quilos de banana de uma 'fazenda' com cerca de 5.000 metros quadrados, no sítio dos Anjos, Madalena do Mar.
Em tempos foram muitas, mas hoje são apenas duas as cooperativas que operam no sector da banana na zona Oeste - a Coopobama, na Madalena do Mar; e a Cooperativa Agrícola dos Produtores de Fruta da Madeira (CAPFM), na Ponta do Sol. Uma carrinha da frota da Coopobama, contactada pelo DIÁRIO, tem à sua conta a recolha do produto em 99 terrenos particulares: Madalena do Mar, Arco da Calheta, Lugar de Baixo e Ponta do Sol.
Ninguém tem dúvidas de que hoje a banana vende-se melhor. As cooperativas garantem o transporte e disponibilizam pessoal (geralmente cinco homens) para transportar o produto desde os socalcos de bananais até ao armazém, na presença dos produtores que fazem a colheita.
"FOI PRECISO IR LÁ À SECRETARIA DO MANUEL ANTÓNIO RECLAMAR"
É nas cooperativas que a qualidade da banana é aferida, inspeccionada e calibrada nas seguintes categorias: extra; 1.ª e 2ª, antes de ser comercializada. O preço pago aos produtores varia entre 74, 65 e 44 cêntimos ao quilo, respectivamente. Grande parte do produto é exportada para o continente com a marca 'Madeira'.
O problema chega depois, na altura de receber. A organização administrativa e a gestão dos dinheiros deixam muito a desejar, dizem.
Francisco Pita recorda Junho do ano passado como o período mais 'negro'. Entregou a banana a 29 e 30 e só foi pago a 26 de Dezembro. "Foi preciso ir lá à secretaria do Manuel António reclamar". Quando pedem explicações sobre o motivo dos atrasos à direcção da cooperativa, a resposta repete-se. "Eles dizem: vai vir, vai vir, vai vir. Mas nunca vem".
Os produtores já discutem o futuro com a entrada em cena da empresa pública constituída pelo Governo Regional, para substituir as cooperativas na gestão de todo o ciclo do sector da banana. "Se isto desse uma volta podia ser que melhorasse", comentam.
EMPRESA SIM, MAS COM GENTE COMPETENTE
Leonardo Sousa, 70 anos, é um produtor com ampla experiência e proprietário de um dos maiores bananais (10.000 metros quadrados) do Lugar de Baixo.
A notícia da pretensão do Governo Regional em constituir uma empresa pública (que irá centralizar os procedimentos de pagamento aos agricultores, ficando incumbida de comercializar a banana) agrada-lhe. Porém, não se coíbe de recomendar: "Tudo depende de quem esteja à frente". E advertiu: "Não vão trazer o mesmo pessoal que está nas cooperativas, senão continuamos na mesma".
Assumindo a voz uníssona dos agricultores, Leonardo Sousa continuou a sua alocução, prendendo a atenção dos demais: "A preocupação dos produtores é que as pessoas que vão gerir a banana sejam competentes e que paguem ao produtor, porque é impossível produzir quando se está à espera três meses e meio".
O senhor Leonardo tem esperança de que a futura empresa dê conta do recado. Que tenha capacidade de gestão financeira e organização administrativa, algo que não acontece com as cooperativas. "O Governo Regional que ponha gente competente para defender os interesses dos produtores, do trabalhador, essa é a única preocupação".
"Toda a minha plantação é à base do meu trabalho", apontou, batendo com o punho cerrado sobre a palma da mão. "Eu chego ao fim da semana e tenho de ter dinheiro próprio para pagar à pessoa que eu contrato, porque também ela precisa", explica.
Diz que a situação que se vive no sector da banana não dá qualquer garantia aos produtores, que vivem com a corda ao pescoço. "Há pessoas que até prescindem disto, mas há outras que vivem disto e essas têm de se alimentar, e isto que nos estão a fazer é grave".
Maria Gonçalves Pita é disso exemplo. Tem 55 anos, 4.º ano de escolaridade e nunca conheceu outra actividade para além da lavoura. Encontrámo-la à entrada do armazém da Coopobama, na Madalena do Mar, numa das desesperadas e incessantes tentativas para reaver mais de 5.000 euros. "A gente tem de esperar, porque não se pode ir buscar à mão deles", diz, desalentada.
"O que eu vivo é disto e já estou há cinco meses sem receber". Tem à sua conta um terreno de bananeiras nos Canhas, com 7.000 metros quadrados, e outro, nos Anjos (Madalena do Mar), com mais de 5.000 metros.
TRABALHA DIA E NOITE MAS TEVE DE PEDIR DINHEIRO AOS FILHOS
"Eu digo com toda a franqueza: eu já pedi dinheiro aos filhos em casa para poder estar assim durante cinco meses". Num mês, chegou a entregar mais de duas toneladas no armazém da Coopobama, dentro dos prazos estabelecidos. Já o pagamento é feito sem termo. "Eu tenho mil e tal contos para receber e as despesas cá estão sempre a subir e a gente vai buscar o dinheiro onde, para se viver?".
Com seis pessoas no agregado familiar, uma filha na escola e pão e leite para pôr na mesa todos os dias, questiona: "Como é que a gente se pode remediar?".
Os agricultores não têm horário de trabalho. Vão para a fazenda de manhã à noite. Por vezes, lançam os pés sobre sacas com trapos e panos velhos para conduzir a água pelos canais abertos na terra, gerindo com precisão o caudal na frescura da madrugada.
"Eu não trabalho das 8 às 4 nem às 5 da tarde, eu trabalho todo o dia, de noite e tudo, e isto chateia uma pessoa, porque a gente vem aqui hoje e dizem: não há dinheiro; vem amanhã e dizem: não há dinheiro", desabafou. "Os grandes, esses dá para comprar carros novos, dá para fazer tudo, cá a gente que trabalha como tristes de noite e de dia, não dá para nada e eu às vezes rego uma noite inteirinha". A nova empresa para gerir o sector é ainda uma novidade para Maria Gonçalves. Mas acolhe a ideia com esperança. "Eu peço a Deus que isto melhore, porque a gente não pode viver assim".
"FUI BUSCAR DINHEIRO AO BANCO E O DA BANANA CÁ NÃO VEIO"
"Eles pensam que estão a brincar com isto, o que é?!", reage de forma contundente Januário Coelho, 55 anos, que acaba de descarregar um cacho de banana com perto de 70 quilos. Diz que as chuvas deitaram ao chão quatro paredes armadas em pedra basáltica. Januário chamou três homens para levantar uma das paredes que sustentam os socalcos de bananal, num terreno com mais de 2.000 metros quadrados.
Como não tinha dinheiro para pagar aos homens contratados, teve de encontrar alternativas. "Fui buscar dinheiro ao banco porque o da banana cá não veio". Recorreu ao crédito e habilitou-se às taxas de juro elevadas. O motivo é o mesmo: a cooperativa não paga há três meses.
"Eles não mandam dinheiro, não mandam nada e aqui há dias comprei quatro sacas de guano para descontar na banana". O adubo, preparado com substâncias orgânicas, é abundantemente lançado na terra de bananeiras para fomentar o desenvolvimento. "Aquilo é só deitar que depois a água (da rega) derrete. Há dias, comprei cinco sacas de guano e aquilo foi para uma vez". Gastou, de uma só assentada, 85 euros, mais 120 euros em herbicidas. Em média por ano, utiliza quinze sacas de guano - despesas correntes, que são encargos avultados quando o pagamento tarda. Sobre a futura empresa que vai substituir as cooperativas na gestão da banana, acredita que traga um novo alento, rematando: "Também, pior do que já está...".
Ricardo Duarte Freitas
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