Monday, June 11, 2007

Onde ainda é fácil ser polícia


Onde ainda é fácil ser polícia


O DIÁRIO acompanhou uma acção de policiamento de proximidade na Ponta do Sol, um concelho onde os agentes da PSP se podem considerar uns privilegiados no tipo de trabalho, apesar de fazerem "um pouco de padre, de juiz e conselheiro"...


In DN a 11-06-2007

"Olhe o que uns 'comunistas' fizeram durante a noite", queixa-se o dono de um terreno de bananeiras, com um ar algo inconsolado, a dois agentes da PSP, enquanto aponta para um cacho de bananas vandalizado.

Umas foiçadas desferidas por "pura maldade" cortaram-lhe meia dúzia de bananas, ainda verdes, de um cacho que pende de uma das bananeiras que podem ser alcançadas desde a berma da estrada. O cidadão não quis dizer o nome das pessoas sobre as quais recaíam as suas suspeitas. Não tem a certeza, daí se recusar a formular uma acusação, mesmo que informal. Perante a insistência dos agentes, que o aconselham a dirigir-se à Esquadra da Ponta do Sol, o cidadão deixa apenas escapar que se quiserem apanhar as "ratas" poderão consegui-lo entre as "5 e as 6 horas".

A troca de palavras decorre de forma breve. O jipe onde seguem os agentes está a ocupar a fila da direita, a única por onde a circulação automóvel se pode processar, dado que se encontra um carro estacionado à esquerda. E um condutor, que aguarda pacientemente ao volante do seu automóvel, quer seguir o seu destino. Os agentes partem, mas fica a promessa de passar pela área por volta da hora indicada pelo dono do bananeiral.

A missão não será fácil, explica depois o agente principal João Rodrigues à reportagem do DIÁRIO, que acompanha uma acção de policiamento de proximidade no meio rural.

O ruído característico do motor do Land Rover Defender, de 1997, pode ser ouvido a grande distância, dando tempo a quem está com maus instintos desaparecer na noite mesmo antes de alguém lhe pôr os olhos em cima antes do veículo sair de uma curva.

A ronda prossegue pelas zonas altas da freguesia da Ponta do Sol. É segunda-feira. A hora do almoço aproxima-se, mas nem mesmo assim se regista grande movimento nos arruamentos que atravessam e ligam zonas como a da Lombada, Jangão, Ladeiras, Canhas, entre muitos outros sítios. Um sol quente ilumina a freguesia, desde a serra ao mar. Talvez por isso sejam vistas pouquíssimas pessoas na rua. "O serviço é mais fácil cá que no Funchal ou em Câmara de Lobos", assegura João Rodrigues, comparando o tipo de trabalho que teve de desempenhar quando esteve destacado nesses concelhos.

Discussões familiares e entre vizinhos, casos de violência doméstica, muitos dos quais influenciados pelo alcoolismo, são as principais 'dores de cabeça' do quotidiano dos agentes. "Aqui, um agente da PSP é um pouco de padre, de juiz e conselheiro", observa o agente principal.

O caso mais difícil que enfrentou teve que ver com um namorado enraivecido que já tinha disparado sobre a namorada e que ameaçava voltar a apertar o gatilho da caçadeira sobre quem tentasse impedi-lo de continuar a ajustar contas.

"Estava transtornado e tinha a arma apontada ao lado das minhas pernas", lembra, observando que "bastava elevá-la um pouco para me acertar em cheio no peito ou na barriga. Mas convenci-o a entregar a arma".

"Aqui ainda há respeito pelos polícias", acrescenta depois o agente Roberto Gonçalves, enquanto conduz o jipe. Apenas lamenta que por parte de "alguns jovens" isso já não seja tão verdade. Na memória está uma agressão de que foi alvo há uns anos, sobre a qual não quis entrar em pormenores. "Ossos do ofício...", prefere dizer apenas.

"Mesmo nos arraiais as pessoas gostam de conversar connosco. Até aqueles que tomam uns copos a mais, vêm falar, embora não consigam dizer quase nada…", conta o agente Gonçalves, entre risos, aos quais se juntam os do colega.

Na habitual ronda que decorre do policiamento de proximidade, que é feito ao longo de todo o dia, os agentes promovem um contacto permanente com os cidadãos. São estes que muitas vezes ajudam a PSP a encontrar pessoas que precisam de ser notificadas, dado que algumas são difíceis de localizar nas zonas altas da Ponta do Sol.

São conversas francas aquelas que se mantêm durante os contactos diários em locais onde podem sempre encontrar pessoas e assim conseguir informações, ou seja, nas imediações de cafés ou de mercearias. Numa das paragens, os agentes ficaram a saber que uns conhecidos "arruaceiros" da zona da Lombada tinham emigrado para a Inglaterra. Ou ainda que, mais recentemente, um "bandido" que era apontado como o responsável por um acto de vandalismo contra um automóvel tinha ido trabalhar para Espanha, para alívio dos vizinhos dos moradores do sítio inteiro. Num outro café, nos Canhas, os agentes ouvem queixas que dão conta de alguns casos de estacionamento irregular e abusivo que alguns munícipes protagonizam em certas zonas, pelo que pedem ou 'mão pesada' para passar multas ou que os responsáveis seja chamados a atenção para as dificuldades que estão a criar ao trânsito. Há também quem peça mais 'operações stop', a ver se "algum pessoal deixa de abusar da bebida e fazer asneiradas na estrada...".

Cerca de 15 metros ao lado, a nossa reportagem confirma ao vivo uma das 'dores de cabeça' que afligem, ocasionalmente, o dia de trabalho dos agentes. Três vizinhas trocam acusações e justificações num tom que algo esganiçado, chamando a atenção mesmo de quem se encontra à distância.

"Precisam da polícia?", grita um dos agentes. "A gente briga mas somos amigas...", responde uma das comadres mais afoitas. Depois fica-se a saber que na raiz do problema está o facto de uma delas ter ultrapassado o tempo de rega que lhe estava atribuído. A normalidade deverá ser reposta na próxima rega.

Logo a seguir os agentes são 'admoestados' por uma condutora que entretanto surgiu na zona. "Não podem parar aí... vão levar uma multa!", ameaça, de sorriso estampado no rosto, a cidadã que quer seguir por um acesso lateral a um estabelecimento comercial que está bloqueado pelo jipe da PSP.

Os agentes pedem desculpas e retiram a viatura, despedindo-se da condutora e dos interlocutores que se queixaram atrás. Também já era hora de regressar à esquadra para almoçar.


O Land Rover é arrumado, ao milímetro, num dos poucos cantinhos que podem ser utilizados para estacionamento junto da Esquadra da Ponta do Sol, sediada num edifício antigo que desde há muito deixou de oferecer as condições ideais de trabalho para qualquer actividade profissional.

"Temos de trabalhar com as condições que nos podem dar", observa o comandante da Esquadra, o subcomissário Teixeira Mendes, responsável por um dispositivo de 23 elementos, incluindo chefias.

Se os meios disponíveis não são os "suficientes" para a missão que a PSP tem a desempenhar na Ponta do Sol, admite, a "racionalização" dos mesmos "permite cumprir integralmente com o trabalho".

"Por isso somos um pouco privilegiados, pois podemos exercer um controlo diferente sobre várias situações", explica, lembrando que o concelho é pequeno. "Os meus agentes, durante as acções de patrulhamento, sabem quem é e quem não é de cá" e, acima de tudo, a população "ajuda-nos imenso".

Raul Caires

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